quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Saiu na mídia!!

As muitas cenas do rock local

Por Marcelo Mugnol, trecho extraído da matéria do jornal O CAXIENSE, publicada no dia 05/12/2009.

Um filme não é só um filme. Por menor que seja, fazer um filme é uma entrega. E não precisa de claquete, não precisa de megafone, não precisa de mesa pra banquete. Porque no final das contas, um filme é só uma história desvelada na tela branca. É tão simples quanto desenhar qualquer coisa, mas ao mesmo tempo tão ou mais complexo do que a vida. E todo, todo o processo de um filme é como engravidar. Começa com o prazer da ideia.
Numa dessas tardes marejadas de março, Jorge de Jesus me liga. Eufórico conta a ideia de roteiro de um filme sobre as bandas de rock de Caxias. Ele desferia uma artilharia pesada de justificativas: porque a gurizada de hoje não sabe a pedreira que era tocar numa cidade quase sem bares, porque tudo era mais difícil, porque ninguém tinha instrumento importado, porque o fulano tocou com beltrano, que virou ator. Jorge não percebia, mas sua excitação metamorfoseava-se num velho conceito: todo filme enquanto ideia é sempre o melhor filme do mundo.
Em março de 2008, Volume um! Em Bom Som! era só uma ideia. Era só a verborragia de um produtor e DJ ensandecido, mesclada às memórias em ebulição de um ex-roadie, ex-colador de cartazes e ex-vocalista de uma banda só. Avança o tempo como num clipe hiperacelerado e temos o filme pronto. Finalizado em DVD, com capinha e tudo. O lançamento do primeiro longa-metragem de Jorge de Jesus, também conhecido como DJ Mono, ocorre na próxima terça-feira, dia 8, no Zarabatana, no Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho.
Ainda no dia 8, Volume Um! Em Bom Som!, financiado pelo Fundoprocultura da Prefeitura de Caxias, terá sessões nos bares Mississippi, Vagão, La Barra, Badulê e Leeds. Também à noite, a partir das 21h, quem não estiver a fim de sair de casa poderá ver o filme na TV Câmara (Canal 16 da Net). Quem prefere o escurinho do cinema poderá conferir a estreia do documentário no UCS Cinema, dia 9.
Aquele jorro de ideias que fervilhavam boca pra fora, na verdade, tinha sido concebido dois anos antes daquele telefonema de março de 2008. E tinha um mote certeiro: “Por que nenhuma banda da cidade de Caxias do Sul havia ‘dado certo’ no cenário nacional?”. Essa dúvida, disfarçada de indignação, sempre acompanhou Jorge. Entre um show e outro no extinto Revival Rock Bar, acomodado no balcão do bar da frente, espiando de soslaio bandas e mais bandas subirem e descerem do palco principal, Jorge divagava: “Cara, o que é que tem nessa cidade… sempre tivemos boas bandas, mas nenhuma deu certo”. Antes mesmo da ideia do filme o assunto lhe tirava o sono.
E como encaixotar um amontoado de questionamentos dentro de um filme? E que tipo de documentário é esse, que recorte da história vai contemplar? Quem será entrevistado? Essas eram as minhas dúvidas em relação ao projeto do Jorge, projeto para o qual ele havia me convidado pra ser o assistente de direção (assim como nos outros dois curtas-metragens do Jorge, O Sapateiro e Um Dia na Vida). Porque na minha cabeça, se fosse pra falar da história da música em Caxias, tinha que entrevistar um dos poucos músicos geniais, que mora há 15 anos na cidade, Oscar dos Reis.
“Não, Marcelo. Nem conheço direito o Oscar. Se ele é gênio pra ti, eu acredito, mas aí não vai rolar, porque é muita gente pra citar. Quero falar das bandas de rock de Caxias, porque convivi com essa galera toda que fez música nos anos 80 e 90”, esclareu Jorge. Aquela conversa no sofá da sala da casa do Jorge, a julgar pela expressão assustada dos produtores Lindonês Silveira e Liana Pulita, espectadores do nosso embate, deve ter sido calorosa. Na verdade eu já tinha gostado da ideia, mas não queria facilitar as coisas para o Jorge. Queria levantar questões nebulosas e capciosas, queria plagiar o Chacrinha, confundir a cabeça do Jorge. E depois de todas essas rajadas, sem fúria, ainda cobrei diariamente o roteiro. Mas o tal do roteiro, que nos guiaria para dentro dessa viagem vertiginosa por entre a vida das bandas de rock de Caxias, só saiu pertinho do fim do filme.
Volume Um! Em Bom Som! não é um documentário com base teórica fundamentada, não tem conceitos estéticos retirados dos compêndios da cinematografia mundial, não foi e nunca será estudado pelo Ismail Xavier. É um filme gestado pela paixão, gerado com um amor desmedido pela música. É criado por alguém que circulou pelos camarins das bandas, conferiu gravações dos discos, fixou cartazes de shows pelas esquinas escuras de Caxias. É dirigido por um cara entusiasmado com a sonoridade das bandas daqui e obcecado pela triste sina de poucos conseguirem seu lugar ao sol.
“O documentário Volume Um! Em bom som! é sobre as memórias que eu tinha da minha adolescência, de como tinha uma certa saudade daquele espírito de rebeldia. Na verdade, todo adolescente acha que pode mudar o mundo. Tinha muito amigos que possuíam bandas de garagem, isso era lá por 85”, revela Jorge, com a incapacidade natural de todo realizador de explicar seu filme a poucos dias do lançamento. Mas o filme não trata apenas das bandas de rock criadas nos anos 80, como Bandida, Apocalypse, Neon, Transylvânia etc. Aliás, começa com uma colagem de fotos revelando que mundo era esse em 1970, ano em que Jorge nasceu, sob o signo de escorpião. Ano do tricampeonato da Seleção Brasileira. E ano em que os Beatles acabaram. E logo na sequência, Jorge inverte a linha do tempo pra revelar que antes disso, antes do fim dos Beatles, antes do seu nascimento, Caxias já tinha sua banda de rock, numa licença poética, Caxias já tinha seus Beatles: a Lobo da Estepe.
“Entrevistar aqueles senhores da Lobo da Estepe, pra mim, era uma grande responsabilidade e por isso teve uma carga emocional muito grande”. Jorge chorou. Chorou copiosamente durante as gravações. Em parte porque havia se atrasado para o início das gravações. Motivo? Na noite anterior tinha sido DJ de uma festa lá na Criúva. É sério. E sem carona pra voltar teve de esperar o primeiro cavalheiro (não cavaleiro) trazê-lo de volta à cidade. Mas chorou também porque era a primeira entrevista, com os caras que iriam abrir o filme que ele sonhava há dois anos.
Mesmo sem entender, nós da equipe, continuamos a mirar nossas lentes das câmeras nos integrantes da Lobo da Estepe. Mas eu não resisti. Inverti o ponto de vista e enquadrei o Jorge. Queria entender o que se passava. Em zoom de aproximação, através da lente da câmera, tentei invadir a mente do Jorge. Naquele momento, entendi uma coisa, aquelas memórias aprisionadas estavam sendo libertadas. E mesmo sem entender muito bem que filme eu estava ajudando o Jorge fazer, decidi interferir o menos possível.
Depois de rever o filme um zilhão de vezes, Jorge aponta o período entre 1985 e 1990 como a Era de Ouro do Rock Caxiense. “Naquela época tinha um cenário bem legal na cidade e, na minha tese, a gurizada tava meio querendo dar seu grito. Colocar cartaz na escola já era pra mim o maior ato de rebeldia. Pra um guri que tinha 15 anos, somado com os acontecimentos do Cio da Terra, e o Rock in Rio, maior festival de rock do Brasil, sendo transmitido pela televisão, era muito provocador. Foi nesse período que surgiu muita banda de garagem, muitos festivais, shows em escolas, era um tal de sair a pé no sábado, sem qualquer roteiro, e acabar encontrando uma banda tocando debaixo das arquibancadas do Juventude”, recorda.
Volume Um! Em Bom Som! tem duração de 1h20min, mas nem assim foi possível citar todas as bandas entre meados de 60 até agora. Aliás, das bandas pós 2000, a única que está contemplada é a Cabaret HiTec. Por quê? Aqui entra o charme do filme, o enfoque malicioso, no melhor dos sentidos, é revelar as bandas que tinham trabalho autoral, que se preocupavam em criar suas composições. À exceção da Lobo da Estepe, que na verdade era a versão da contracultura em contraponto às bandas de baile.
“Em nenhum momento eu quis contar a história do rock de Caxias do Sul, quis fazer um recorte das minhas lembranças. Pessoas que tinha relacionado como possíveis entrevistadas foram retiradas da pauta, assim como bandas que não cheguei a tomar sequer conhecimento naquela época, como a No Ar. Essa banda chegou a fazer um som próprio na época, tocaram até em cima da marquise de uma loja no centro da cidade, mas não fizeram parte da minha adolescência. E a outra era a Pauta Metal. Se quisesse fazer um filme sobre a história da música em Caxias ia ficar cavando, cavando e daqui a pouco, ia aparecer o cara que tocou violino na chegada dos primeiros imigrantes italianos”, explica Jorge, rindo da epopéia não filmada.
Assistindo ao filme, debruçado no mesmo sofá, cenário da discussão em torno do roteiro, Jorge revela sua frustração: “Queria muito ter entrevistado o pessoal da Nariz de Porcelana. Mas, infelizmente, como a maioria dos integrantes não está mais morando em Caxias, inclusive a vocalista mora na Europa, não tive como conseguir um depoimento fiel para inserir no filme. O mais engraçado é que na nossa equipe havia um músico que tinha tocado com a banda na época, o Paulo Scola (diretor de fotografia), mas ele se recusou a falar em nome da banda.”
Agora que o filme acabou, agora que toda essa efervescência está prensadinha no DVD, responde aí: Qual é a música que representa toda essa geração retratada no documentário? “Me veio de bate-pronto a música Dizeres Não, da banda Halar-me. Eles chegaram a ficar na frente da Madonna, em 1993, como a música mais pedida na rádio local Stúdio FM. Acho que ela retrata bem a condição que a banda buscava com seu trabalho próprio, tocar em uma rádio e ter seu reconhecimento”, revela.
Mas e será que essa palavra, “reconhecimento”, não esconde a fantasmagórica palavra “sucesso”? Como diz Luciano Balen (da extinta Café Brasil e hoje do CCOMA), quem tentou o sucesso, naufragou. Mas quem queria apenas fazer o seu som, evoluindo sempre, ultrapassou o pedágio. E Balen vai além, cita as bandas Apocalypse e Burning in Hell como as que foram mais longe. Não em busca da trilha do sucesso, mas do reconhecimento (aqui a palavra fica melhor empregada) do público. Esteja onde ele estiver. No Japão, no caso da Burning in Hell, ou na França, no caso da Apocalypse.

Um filme não é só um filme. Por menor que seja, fazer um filme é uma entrega. E não precisa de claquete, não precisa de megafone, não precisa de mesa pra banquete. Porque no final das contas, um filme é só uma história desvelada na tela branca. É tão simples quanto desenhar qualquer coisa, mas ao mesmo tempo tão ou mais complexo do que a vida. E todo, todo o processo de um filme é como engravidar. Começa com o prazer da ideia.

Tem mais, quer saber??

http://ocaxiense.com.br/2009/12/imp-as-muitas-cenas-do-rock-n-roll/

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